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  • Foto do escritorLívia Santana Carvalho

Maconha: cultura, cultivo doméstico e legalização

Atualizado: 31 de jan. de 2021

Por Giovanna Dias, Giulia Futema, Isabella Fonte, Lívia Carvalho e Maria Júlia Miranda


O ano era 1969. A expectativa de reunir 50 mil pessoas em uma fazenda na cidade de Bethel, Nova York, foi superada por um público oito vezes maior. Entre 15 e 18 de agosto, aqueles 400 mil jovens fizeram parte da multidão que entrou para a história do maior festival de música de todos os tempos, o Woodstock. O evento arquitetado sobre os ideais da contracultura, colocava questões como o amor livre, o desapego de bens materiais, cultivo doméstico da maconha e uma vida comunitária regada ao uso de alucinógenos no contexto sócio-político-cultural da década de 1960.


Os “Três Dias de Paz e Música”, transformados em quatro devido aos atrasos, foram a consequência de uma juventude contestadora, oposição às convocações militares e que prezava pelo fim da violência, principalmente com a Guerra do Vietnã (1955-1975). No entanto, o alto consumo de substâncias psicoativas em Woodstock, sobretudo a maconha, a mescalina e o ácido, reflete uma associação: as drogas poderiam libertar as pessoas de uma sociedade retrógrada.

A Famosa fotografia do casal Nick e Bobbi Ercoline, juntos até hoje, estampou a capa de um disco triplo lançado um ano após o festival, contendo performances ao vivo dos artistas que estiveram presentes no Woodstock (Foto: Burk Uzzle)


Apesar de a bandeira do Flower Power ter sido responsável por uma maior popularização da maconha na sociedade, a erva já estava difundida em diferentes épocas e classes anteriores ao movimento Hippie, como explica Marcos Veríssimo, professor de Sociologia da rede pública de ensino do Estado do Rio de Janeiro e Doutor em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense, onde defendeu Tese sobre o fumo e o cultivo caseiro de maconha.


Maconha é cultura?


Considerada a droga ilegal mais consumida no mundo, a maconha tem forte presença nas manifestações culturais e nos movimentos políticos principalmente pelo caráter que assume o seu uso. “O consumo da maconha, pelo menos como ele se dava antes da pandemia, já era uma coisa causadora de sociabilidade”, explica Veríssimo. Ele aponta que a ilegalidade faz com que as pessoas se reúnam, sendo até a inspiração de produções artísticas, como o Capitão Presença, um super-herói criado pelo cartunista carioca Arnaldo Branco.

Criado por Arnaldo Branco, “Capitão Presença” é um reflexo de como a cultura da maconha se constrói por meio das rodas e da sociabilidade


Nas músicas, a erva aparece nas entrelinhas – quando Roberto Carlos canta que “É proibido fumar” e Raul Seixas afirma que “Quem não tem colírio usa óculos escuro”; e também em manifestações mais explícitas, como em “Legalize Já”, da banda Planet Hemp. Supostamente, Paul McCartney se referia à droga em “Got to Get You Into My Life”. Por que estas obras recebem tratamentos diferentes? “O status dos Beatles na música era maior do que a composição sobre maconha, livrando-os de mais julgamentos”, explica Veríssimo. O antropólogo ainda relaciona a postura da ilegalidade com a de perseguição, em que é possível notar “atitudes heroicas”, relembrando a “tristeza” de Cazuza por não estar junto ao Barão Vermelho quando o grupo foi preso por porte de maconha, em 1984.



Cultivo doméstico e cultura Grower


A dimensão cultural da cannabis não envolve apenas as produções e movimentos, mas também a existência de um modo de vida relacionado com cultivo da planta. A “Cultura Grower” nasceu a partir da iniciativa de consumidores da droga que buscam qualidade e pureza no produto final e, além disso, decidem não mais corroborar para o mercado ilegal, que alimenta o tráfico.

A Tese de Doutorado de Veríssimo discorreu justamente sobre esse tema. O professor explicou que desde os anos 80 o brasileiro que quer fumar e reside, principalmente, nas cidades do Centro-Sul precisa ir na “biqueira” (pontos de venda ilegais) ou ter algum “contato”.


O produto que esse indivíduo consome é chamado de “prensado” e advém, na maioria das vezes, dos latifúndios paraguaios. Nomeado de “subproduto”, a planta nem sempre é colhida em seu melhor ponto de maturação e depois, ainda, é colocada em uma prensa para virar uma matéria sólida na forma de “tijolos” para facilitar o armazenamento e o transporte clandestino. “As pessoas consomem uma maconha que nada se parece com a planta e sim com uma pedra, cuja qualidade é sempre duvidosa”, disse.


Os growers plantam maconha e “cuidam dela com amor, e aí que está o ponto”, explicou Marcos. Já que o sujeito que cultiva, para ter sucesso, precisa adotar uma rotina de cuidados e ficar atento aos sinais que a planta dá. Isso faz com que ele crie uma relação nova, deixa de ser algo imediato e apenas de consumo. “Não é mais só ligar para o seu contato ou ir na boca. É uma coisa de meses, um cuidado que o cara lá no Paraguai não tem”, completou.


Além disso, o antropólogo ainda disse que a nova relação dos consumidores com a maconha, que provém cultura do cultivo caseiro, foi responsável por todas as descobertas no campo terapêutico. “Os médicos não estudam isso na faculdade. O saber que está sendo utilizado para curar várias doenças […] é um saber cultivado pelos growers. Essas pessoas que, mesmo na clandestinidade, continuam fazendo cultivo e trocando informações da planta”.


Nesse sentido, Marcos ainda disse que “o maior efeito da cultura grower é um maior conhecimento sobre a planta” que gerou um mercado refinado onde “a impressão de que aquilo que é fumado – o prensado – é uma coisa muito adulterada, que não tem nada ver com a planta”.


Perspectivas de legalização da erva


O professor acredita que é preciso haver conscientização, debate e informações mais claras sobre a legalização da maconha. “A primeira coisa é não desistir de enunciar que o uso recreativo [..] é um direito individual”. Ele cita que, enquanto no Brasil o ativismo pela legalização da maconha é, em boa parte, pautado em “criminalização do pobre”, e outras questões sociais que se referem às classes mais baixas, na Argentina o assunto é discutido no ponto de vista da liberdade individual, do direito à privacidade. “Tudo que fazemos e que não causa danos a terceiros não deve estar na esfera penal”, comentou ele. “O Brasil carece de indivíduos”, concluiu.


Para ele, a conscientização deve começar desde cedo: “Embora a gente tenha uma tradição de pensar que leis podem mudar as coisas, a gente tem que mudar a cabeça das pessoas e talvez pensar em colocar na pauta do que se ensina nas escolas […] A maneira de influenciar positivamente nesse debate é deixar a informação circular. A informação não pode ser vedada. […] Tem que soltar a informação antes de soltar a maconha.”, disse.


Veríssimo acredita ainda que o atual governo pode ser uma barreira para a legalização da maconha no país, mas alerta: “Isso não pode nos levar a concluir que isso começou agora, pois o conservadorismo brasileiro tem raízes históricas na nossa sociedade. […] Tem a ver com a própria forma de presidencialismo de coalizão. Mas não foi só o Executivo conservador que foi eleito, o Legislativo nunca foi tão conservador. Isso afeta nossa capacidade de pautar novas formas de legislação.”

 

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