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  • Foto do escritorLívia Santana Carvalho

“Gostava mais antes porque não tinha essa doença”, Judith Pinheiro sobre viver em um lar de idosos

Por Lívia Santana, Maria Júlia Miranda e Renata Milliet, alunas do 2JOD


As mortes por covid-19 começaram a ser comuns no lar. A filha primogênita, Cristina Pinheiro, 70, traz à memória maio de 2020. Naquele tempo, a família foi aconselhada pelos médicos a retirar Judith da casa por um tempo a fim de preservar a saúde e disposição que ela esbanjava aos 94 anos. Antes da pandemia, os fins de semana eram muito aguardados. Quando saía, era o momento de rever os filhos, netos e bisnetos e encurtar a distância que os separava desde que começou a viver no lar Sant’Ana, em fevereiro de 2019.


Convencê-la a morar na casa era uma opção conveniente, mas desafiadora para todos. Apesar das dificuldades, era possível conciliar a rotina de trabalho e as diferentes distâncias que inviabilizavam os filhos em dispor dos cuidados necessários com a mãe. Entretanto, tropeçar na guia da rua de sua casa e fraturar o joelho impossibilitou que Judith vivesse ativa e independente em sua própria casa.


Pouco a pouco a ideia de viver em um lar para idosos começou a ser aceita. Após várias visitas e conversas, ela topou e o lar Sant’Ana passou a ser sua casa. O ambiente calmo e tranquilo ficou agitado desde que ela chegou.

Judith Pinheiro no lar Sant’Ana durante a pandemia. (Foto: acervo pessoal)


Saudade da família e do mundo lá fora

Interna da unidade do Alto de Pinheiros, destinada a idosos independentes ou com dependência cognitiva/motora leve, Judith de Andrade Pinheiro, desacostumada com a solidão, viu a pandemia construir uma barreira entre ela e sua companhia favorita, a família. A matriarca, mãe de cinco, avó de nove e bisa de outros nove conta que gostava mais de viver no lar antes “porque não tinha essa doença e podia sair à vontade”.


“Minha mãe não via a hora de sair, de ver as pessoas. Ela entende que está difícil, que ainda está morrendo gente…ela tem dois bisnetos pequenos e diz que está perdendo de vê-los crescer, então é triste. Ficamos chateados com isso.”, diz Cristina.


Quando soube da pandemia, dona Judith já morava no Lar, então “para mim foi até bom morar aqui, só que não podia mais sair. Foi a única coisa que atrapalhou”, diz. Ela explica que a pandemia transformou sua rotina de passeios — que ocorriam todos os finais de semana — para saídas esporádicas à casa dos filhos, apenas aos domingos.


As possibilidades de “passeio” de dona Judith fora do lar durante a pandemia


“Durante esse tempo ela não se sentiu sozinha e abandonada. O telefone estava sendo o único meio de comunicação possível no momento; tentávamos explicar, mas não queríamos assustá-la. Então dizíamos para ela se cuidar”, lembra a filha.

Seis meses, várias mudanças

Assim que o governo decretou a pandemia, o lar Sant’Ana gradualmente iniciou a implementação das medidas restritivas e de higiene. Uma médica infectologista do Hospital Emílio Ribas orientou as ações, mas não só, as regras impostas também foram observadas pela Vigilância Sanitária, pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e, ainda, pela supervisão do Ministério Público.

Renata, supervisora de saúde do lar Sant’ana, conta como está a situação dos idosos durante a pandemia


Após morar por um mês com a filha, em junho, Judith retornou ao lar. Passou a viver sob restrições das medidas de segurança e sem as atividades que normalmente fazia.


“O problema é que a gente não consegue que eles usem máscara adequadamente. A dona Judith mesmo. Hoje eu coloquei a máscara correta nela duas vezes porque eu cruzei com ela, com certeza mais vezes ela põe no queixo”, explica Renata, supervisora de saúde do lar Sant’Ana.

Judith conta sobre os protocolos de segurança no lar


“No fim, quase sem nenhum velhinho no lar, precisei retornar ao trabalho. Minha mãe teve que voltar para lá. Agora, ela não poderia mais sair. Nesse momento, o telefone foi o único meio que supriu a falta que sentíamos dela”, lembra Cristina.


Mais tarde, com a flexibilização das visitações, um acrílico, que permitia apenas a interação oral, a separava de sua família. O problema auditivo da idosa e a restrição ao contato físico tornou ainda mais desafiador manter uma conversa. Mas, foi em setembro que Judith sorriu novamente ao ver toda a família reunida, em uma sala isolada no lar, comemorando seus 95 anos de vida.

Vacinação no lar: dona Judith imunizada

Judith e os outros internos, como parte do grupo prioritário, foram imunizados contra o vírus. Disputaram lugar na fila e tiraram fotos para compartilhar o sublime momento com os familiares. Os funcionários do lar também foram contemplados.


Dona Judith foi para a vacinação tão logo soube que iria acontecer. Ela e outras mais se apressaram e formaram fila, a despeito da orientação para não fazer aglomeração. Na sua vez, desabotoou o célebre twinset e deu o braço para a agulha.

Um ano de isolamento

Depois de um ano sem sair do lar, Judith passou o Dia das Mães de 2021 ao lado dos filhos. Como eles já foram vacinados, a possibilidade se tornou viável. “Minha irmã a levou para a casa da filha dela, mas não nos aglomeramos muito. Para ela foi a glória, ficou superfeliz”; “Somos cinco filhos, quando ela soube que os três mais velhos haviam tomado as duas doses ela ficou super contente. Eu e mais uma irmã vivemos em São Paulo, os outros irmãos moram fora. Eles sempre ligam para ela, os netos…ligamos todos os dias. Tudo para ela sentir que está viva, que não está jogada às trevas, que esquecemos dela”, diz.



Dona Judith e os cinco filhos. (Foto: acervo pessoal)


O monitoramento da saúde dos idosos é constante, os familiares são avisados das condições em que os internos se encontram. Judith está saudável. Apesar de tomar alguns medicamentos, ela já foi vacinada contra a gripe e realizou o PCR-RT (teste responsável por identificar a presença da covid-19)após passar o dia das mães fora do lar.


Em determinado momento, Vera, assistente-líder da equipe de cuidadores, que acompanhava a entrevista, questiona a senhora sobre seu sentimento por ter que ficar restrita no quarto por mais tempo. Ela responde: “Eu nunca fiquei” e completa “porque é assim, se você saiu, depois você tem que ficar uns cinco dias fechada no quarto sem sair”.


Vera Maria da Silva Novaes Gomes, assistente-líder da equipe de cuidados e dos idosos, fala sobre Judith


A idosa comenta que o “castigo” de ficar no quarto é um problema do lar ao qual ela não simpatiza, mas faz parte das regras. “Outro dia eu saí, fui almoçar na casa da minha neta e minha filha também foi, mas graças a Deus não me ‘castigaram’”. “Se eu ficar cinco dias fechada num quarto, acho que eu pulo a janela e vou lá para o jardim. Porque é ruim ficar no quarto, eu não gosto de coisa fechada, estou acostumada com bastante gente”, explica.


“A gente nunca conseguiu deixar a dona Judith restrita ao quarto. Ela via que a casa estava vazia, entrava no quarto de outra senhora e a gente pegava lá o motim se formando. Ela é arteira”, completa Renata.


Rotina e atividades na pandemia

Sobre sua rotina no lar, dona Judith explica que “não varia muito não”. Ela não se levanta cedo, então participa das atividades a partir das 10h30. “Eu me levanto tarde para compensar as inúmeras vezes que eu levantei muito cedo.” Depois do almoço ela está em tudo: “Estou aqui para o que der e vier”.


Dona Judith, por acordar tarde, toma café no quarto. (Foto: acervo pessoal)


Ela diz gostar muito da casa “eu estou feliz aqui”. Além da companhia e prosa com os demais internos e funcionários, ela comenta que gosta do lar porque sempre tem bastante distração. Os idosos não têm tempo para descanso. Atividades como bordado, fisioterapia, bijuteria, pintura, canto, dança, bingo e jogos de cartas fazem parte da rotina dos internos.

Cristina, filha de Judith, fala sobre a personalidade da mãe dentro do lar


Dona Judith agita o dia a dia dos que convivem com ela. Mas, com as restrições impostas pela pandemia, a agitação deu lugar às incertezas, já que algumas atividades foram suspensas. “Foi um baque grande para eles”, comenta Renata.

Thamyres Fernandes, auxiliar de enfermagem do lar, fala sobre Judith


Com o isolamento social, Cristina conta que devido à suspensão de algumas atividades percebeu que sua mãe tornou-se um pouco apática, passou a se esquecer com frequência e repetir histórias. “A memória deu uma decaída devido às circunstâncias trazidas pela pandemia”, conta.

Sem despedidas, um até logo

O maior desafio da supervisão do lar no último ano tem sido não receber as famílias com a naturalidade e frequência de antes. “A família não poder entrar, a gente não poder compartilhar, evitar esse contato com a família é muito difícil. Até porque a gente sempre foi uma casa muito aberta”, conta Renata.


A pandemia, entre outros estragos, está tirando dessas pessoas quase centenárias um convívio muito precioso. Não dá para evitar o pensamento de que este pode ser o último natal, dia da Mães ou aniversário com a família completa.


Pensando no amanhã, a filha diz que a família pretende realizar uma festa para receber Judith do lado de fora. Lugar onde as incertezas da realidade desafiam a esperança, mas são confortadas pelo amor, que dá motivos de sobra para tamanha comemoração.

 

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