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  • Foto do escritorLívia Santana Carvalho

Pelas lentes de Amancio Chiodi: fotógrafo relembra grandes trabalhos da carreira

Andar pela cidade com os amigos para fazer umas fotos. Foi em busca de elementos que compunham Bauru, interior de São Paulo, que Amancio Chiodi, 74 anos, relembra o passatempo da juventude que se transformou em profissão. Acompanhado pela câmera de fole do pai, os primeiros cliques de Amancio colecionam lugares cotidianos, como o alto da torre de uma igreja e os trilhos ferroviários da região. Mas graças ao olhar atento e criativo, as imagens ganharam um toque de surrealismo, característica que se expandiu ao longo de muitos trabalhos.

Autorretrato 2021. Foto: Amancio Chiodi.


“Não tinha ideia de que seria um repórter fotográfico’’. Entretanto, um dos filhos de Oswald de Andrade, Paulo Marcos de Andrade, o apresentou ao ofício; assim, foi convidado para ser assistente de José Augusto Godoy, diretor de fotografia da Folha de S. Paulo. Um ano e meio lhe garantiram a experiência necessária para que outras portas se abrissem. E foram várias. O mesmo colega o chamou para fazer uma matéria para o jornal A Gazeta. Na época, o veículo foi renovado com a chegada do jornalista Mucio Borges da Fonseca, que já havia passado pelo jornal Última Hora, e do chefe de reportagem Roberto Benevides. Aos 19, e pai de família, optou por deixar o 2º científico (ensino secundário com disciplinas voltadas para ciências exatas) para se dedicar ao trabalho. Assim, passou a atuar na empresa durante o período da manhã e da tarde, e a partir das 17hrs, na Folha.

Amancio Chiodi discursa na redação da Gazeta, 1968. (Foto: arquivo pessoal)

“A fotografia é um choque terrível”

Um dos momentos mais difíceis que o país enfrentou foram registrados pelas lentes de sua câmera. 1967–1968: auge da ditadura militar brasileira; Amancio cobriu movimentos estudantis e manifestações, como a Comemoração Oficial do Dia do Trabalho na Praça da Sé, onde atiraram uma pedra na cabeça do governador Abreu Sodré. O espanto frente a estas cenas permanece vivo em sua fotografia e na memória. “Eu saí de uma coisa que eu nem imaginava, e uma semana depois, estava correndo da polícia. Aprendi ‘a coisa’ ali na marra, na experiência mesmo”, conta.


No entanto, foi com o dinamismo da profissão que Amancio Chiodi fez uma das fotografias mais históricas de sua carreira: o tiro certeiro da Batalha da Rua Maria Antônia, em outubro de 1968, que matou o estudante secundarista José Guimarães, aos 20 anos de idade.



Capa e contra-capa do livrinho Movimento Esudantil 1968. Texto Roberto Benevides. Foto Amancio Chiodi


Repressão a estudantes na Praça da Sé. Foto do livrinho Movimento Estudantil 1968. Texto de Roberto Benevides. Foto Amancio Chiodi.


Bombas de gás lacrimogêneo contra os manifestantes. Foto do livrinho Movimento Estudantil 1968. Texto de Roberto Benevides. Foto Amancio Chiodi.


Foto do livrinho Movimento Estudantil 1968. Texto de Roberto Benevides. Foto Amancio Chiodi.

Contemplado pelo grande nome do fotojornalismo brasileiro

Após a passagem pela Folha de S. Paulo, o fotógrafo foi o autor de muitos registros da Revista Realidade, um dos periódicos mais importantes da imprensa do país. Contribuindo para diferentes trabalhos de campo, a edição nº 67, publicada em outubro de 1971, não foi emblemática apenas para Amancio, como é considerada até hoje um marco para o jornalismo brasileiro.


Integrante da equipe liderada pelo jornalista Raimundo Rodrigues Pereira, o fotógrafo fez parte da edição especial sobre a Amazônia. Passou também pelas terras mineiras de Santo Antônio do Monte e registrou a mão-de-obra infantil nas fábricas de fogos de artifício.


Imprensa alternativa: um caminho para a democracia

A ditadura militar no Brasil exigiu novas dinâmicas ao jornalismo. Era preciso se reinventar e se opor não apenas ao governo repressivo, mas também à mídia hegemônica da época. Foi assim, então, que a imprensa alternativa surgiu: em meio aos caos e repressão, na tentativa de resgatar a liberdade e a democracia, que pareciam tão distantes.


O primeiro passo nesse desafio foi a criação da revista O Bondinho. Com o apoio do Pão de Açúcar, um grupo de jornalistas da Revista Realidade criou o periódico, formado pelos diretores Sérgio de Souza e Narciso Kalili, e pelo diretor de arte Eduardo Barreto. No entanto, a parceria com o mercado, responsável por distribuir gratuitamente em suas redes, não durou muito tempo. Foi preciso recalcular a rota com mais independência. Foi nesse momento, então, que os próprios jornalistas passaram a financiar a revista, cortando custos, indo pessoalmente entregá-las nas bancas. As dificuldades se estenderam, tornando a manutenção da revista algo caro e inviável.


A trajetória de Amancio na imprensa alternativa continuou no Jornal Ex, que também lhe proporcionou momentos inesquecíveis. Um deles: a cobertura da morte do jornalista Vladimir Herzog.


 

Um dia, uma vida: o último ensaio de Cacilda Becker

Amancio tinha 22 anos de idade e três de carreira quando recebeu o convite para um trabalho que marcou sua vida. Ele estava na Folha de S. Paulo e tinha um amigo que era muito próximo da Cacilda Becker e do Walmor Chagas, esposo da atriz. Certo dia, o amigo disse: “Olha, eles estão fazendo uma peça e eu estou fazendo a divulgação, você não quer fazer as fotos?”. Ele aceitou na hora.


Cacilda Becker. Último ensaio de Esperando Godot_1969. Foto e interferência: Amancio Chiodi

O fotógrafo fez as fotos dos ensaios da peça, por isso esteve por aproximadamente 30 dias com a atriz. “Era muito legal, uma grande emoção. A Cacilda era o máximo, ela percebia o que você queria para a foto, não precisava falar pra ela fazer as poses, era uma grande atriz. Ela facilitava”, lembra. Na época, o que ele não sabia é que seria o responsável pelos registros da última peça da estrela.


Cacilda Becker e Walmor Chagas. Último ensaio de Esperando Godot, 1969. Foto e interferência: Amancio Chiodi


Apesar do convívio, Amancio não fez amizade com ela. “Não dava tempo de ficar colega.” Ele fazia as fotos durante meia hora enquanto o ensaio rolava, era o espaço que tinha para não atrapalhar. Entretanto, observava tudo, por isso destaca o empenho e liderança intrínsecos à atriz. “Ela comandava tudo. Quando a Cacilda e o Walmor chegavam para ensaiar, eles já haviam ensaiado tudo em casa. Ela trabalhava 24h, era muita coisa.”

Cacilda Becker. Último ensaio de Esperando Godot, 1969. Foto e interferência: Amancio Chiodi


Quando questionado sobre algum momento com Cacilda, Amancio conta: “O tempo todo era marcante. Porque eu estava ali tendo o privilégio de ver a coisa nascer, que era o ensaio. Por exemplo, eu via cenas repetidas, mas diferentes. Cada experiência dessa era, para mim, uma coisa para dar valor.”

Cacilda Becker. Último ensaio de Esperando Godot, 1969. Foto e interferência: Amancio Chiodi


Cacilda faleceu no dia 14 de junho de 1969, em São Paulo. Os ensaios começaram em janeiro. A peça “Esperando Godot”, de Samuel Beckett, ficou em cartaz por um um mês. Uma vez, no meio de um intervalo, ela passou mal, teve uma dor de cabeça muito forte e caiu. Havia sofrido um derrame cerebral. “Pegaram e levaram ela para o hospital. Ela ficou em coma por 38 dias e não voltou mais”, lembra.

Cacilda Becker. Último ensaio de Esperando Godot, 1969. Foto e interferência: Amancio Chiodi


Ele esteve com ela durante seus últimos dias. “Pra mim teve um valor enorme, um privilégio. Fui o último a fazer fotos dela, uma coisa inédita, ninguém mais tem registro desses ensaios”, afirma. Como a atriz faleceu e ele havia feito as fotos para a divulgação, “as pessoas não sabiam que eu tinha essas fotos, nem tinha oportunidade para usar”.


No dia 6 de abril de 2021, Cacilda Becker completaria cem anos. As fotos, guardadas por cinco décadas, encontraram a oportunidade perfeita quando Amancio soube da consagração que o Itaú Cultural estava preparando para o centenário da atriz. Era o momento de “pôr as fotos da Cacilda na roda”. Os registros inéditos saíram em todo lugar e o fotógrafo, à seu modo, fez sua homenagem.




 

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