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  • Foto do escritorLívia Santana Carvalho

Como a tecnologia e a internet transformaram a interação das pessoas com deficiência

Atualizado: 31 de jan. de 2021

Por Giovanna Dias, Isabella Fonte, Lívia Carvalho, Marcela Almeida, Maria Júlia Miranda e Renata Milliet, alunas do 1ºJOD


Em 2006, o horário nobre da TV Globo era marcado pela doçura de Clarinha, personagem da novela Páginas da Vida. Com apenas sete anos de idade então, Joana Mocarzel não somente conquistou o coração do público, como também se tornou a primeira criança com Síndrome de Down a atuar ao lado de grandes nomes da televisão brasileira.


No entanto, a trama de Manoel Carlos teve como eixo a discussão sobre a síndrome, desde a rejeição de Marta (Lília Cabral), sua avó que lhe separa de seu irmão gêmeo, Francisco (Gabriel Kaufmann); até o acolhimento e o coração valente de Helena (Regina Duarte), médica obstetra que a adota após o falecimento de sua mãe, Nanda (Fernanda Vasconcellos), durante o parto.


Clarinha (Joana Mocarzel) ao lado de sua mãe adotiva, Helena (Regina Duarte). | Foto: Reprodução/Globo


Em 2015, ao lado de dois artistas com Síndrome de Down também, Joana deu vida à Menina, na peça O Reizinho Mandão, uma adaptação do livro infantil de Ruth Rocha. Hoje, aos 21 anos, além de seguir a carreira no teatro, a atriz esbanja carisma e muito orgulho de si mesma em seu Instagram, com 15 mil seguidores.


No entanto, ao se tratar da mídia tradicional, percebe-se uma participação muito pontual de pessoas com alguma deficiência, sejam elas físicas ou intelectuais. Quantas outras Clarinhas tivemos a oportunidade de acompanhar nas telinhas, por exemplo? Além disso, como as mesmas são retratadas é um ponto a se debater: a linha tênue dessa abordagem desvia-se mais para a faceta do empoderamento ou para a esfera da completa dependência?


Por outro lado, a imersão no ambiente digital trouxe consigo uma nova experiência quando se aborda as transformações da mídia contemporânea: a promoção de debates entre os seus usuários. No ciberespaço, conceito criado pelo filósofo Pierre Levy, um dos primeiros estudiosos a dialogar sobre as tecnologias e suas redes, houve a descentralização da produção de conteúdos (anteriormente, de um para todos). Assim, o público que consome também é capaz de contribuir para a internet com os seus conhecimentos e discussões, fazendo da rede um espaço mais democrático e diverso.


A internet, então, tornou-se um canal de vozes. As diferentes personalidades conectadas por redes não enxergaram no espaço apenas um meio de divulgação, e sim, principalmente, de conscientização e inspiração. Se em 2016 conhecemos a primeira youtuber e influenciadora digital brasileira com Síndrome de Down, Cacai Bauer, hoje, em 2020, encontramos usuários, sejam eles deficientes ou não, discutindo a importância da inclusão no mundo digital e muitos perfis com histórias inspiradoras e de superação de barreiras.


História e Longevidade


Foi o médico John Langdon Down o primeiro a perceber e descrever as nítidas semelhanças fisionômicas entre algumas crianças que tinham atraso mental, utilizando-se do termo “mongolismo” para descrevê-las.


Em 1958, o geneticista Jérôme Lejeune verificou uma alteração genética causada por um erro de distribuição cromossômica em que, ao invés de 46, as células possuíam 47 cromossomos e este cromossomo extra se ligava ao par 21. Assim, surgiu a denominação Trissomia do 21, e a anomalia foi batizada como Síndrome de Down em homenagem ao seu descobridor.


Antes disso, a Síndrome de Down (SD) já apresentava registros na história da humanidade, sendo os primeiros trabalhos científicos datados no século XIX. Na Renascença, muitas pinturas retratam pessoas com características da SD, como por exemplo a obra “Madona e Criança”, do pintor italiano Andrea Mantegna.

“Madona e Criança” — 1460, por Andrea Mantegna — Mântua, Itália. | Imagem: Reprodução/Site Movimento Down


Comparado a outras deficiências e doenças, ainda é muito escasso o apoio à pesquisa em síndrome de Down no mundo. Um dos motivos é que, até recentemente, acreditava-se que não era possível um tratamento para síndrome de Down por se tratar de uma ocorrência genética.


Nos anos 80, estudos já apontavam resultados positivos do tratamento com vitaminas em pessoas com deficiência intelectual. Também já havia a presença de antibióticos que tratavam as infecções, principais causas da morte de pessoas com a síndrome. Após o desenvolvimento de modelos de ratos com síndrome de Down (Ts65Dn), em 1990, começou-se a fazer experimentos e descobriu-se que há possibilidade de que fármacos atuem em várias áreas, como memória e cognição, que podem contribuir para que as pessoas com síndrome de Down alcancem uma melhor qualidade de vida.


A expectativa de vida das pessoas com SD aumentou consideravelmente dos anos 1920, onde a longevidade era em torno dos 9 anos, para 76 anos atualmente, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O advento das cirurgias cardíacas, vacinação e diagnóstico possibilitaram o progresso. Entretanto, podemos pensar em múltiplas alternativas que viabilizaram a garantia da qualidade de vida para os portadores da síndrome.


Para Ana Cláudia Brandão, pediatra e coordenadora do Centro Integrado de Atendimento à Criança e ao Adolescente com Síndrome de Down do Hospital Albert Einstein, a tecnologia é um dos principais responsáveis pela mudança.

“Além da bioengenharia, que usa a tecnologia para estudar genes em pessoas que possuem doenças metabólicas atreladas à deficiência mental ou física, todo o contexto de participação da pessoa com SD na internet, por exemplo, é importante. O crescimento do contato social com a família, com o ambiente escolar, com o ambiente de trabalho; a acessibilidade às informações e ao aprendizado; os desafios; as oportunidades… foram mais efetivos para alcançarem a longevidade do que as inovações médicas.”

A palestrante e pesquisadora do tema “Síndrome de Down” afirma que a tecnologia, principalmente durante a pandemia, permitiu aproximar “saberes” e discutir os mais variados temas. A acessibilidade proporcionada pelos softwares, permite que deficientes visuais, auditivos, intelectuais e físicos garantam a igualdade de direitos através da comunicação alternativa.

“Vemos cada vez mais a preocupação dos criadores de site em oferecer acessibilidade às pessoas com deficiência. Cada vez mais estão preocupados em desenvolver dispositivos para melhorar, por exemplo, a performance de um deficiente visual na internet. A Janela de Libras, o aplicativo Seeing IA , programa criado pela Microsoft, compreende fotos e descreve para os usuários qual é a cena mostrada. Na pandemia, shows transmitidos em lives e a interação com grupos de pessoas, também facilitaram a socialização e a locomoção de deficientes.”

A tecnologia garante outra conquista para os que possuem a condição genética: a autonomia. Nesse meio, a pessoa acessa; convida; se informa, sem necessitar a ajuda de terceiros. Os aplicativos orientam, mas o usuário toma as decisões. “É um marco porque às vezes, a pessoa não se dá conta de que sabe se comunicar embora não fale, e as tecnologias transformaram isso. É uma mudança na vida das pessoas!”, afirma Ana.


Empoderamento


A pediatra discute a questão do empoderamento enfatizando como algo inerente à pessoa que possui a deficiência. Ela reforça a necessidade de darmos espaço para todos falarem e defenderem suas causas e visões de mundo. Além disso, é essencial compreendermos a diversidade e não impormos nosso tempo a eles na velocidade de realizarem atividades e ações como, falar, pensar e se locomover.

“Às vezes a pessoa tem uma dificuldade física, mas ela não quer ajuda. Porque ela pode demorar, mas quer ir sozinha, nós queremos impor o nosso tempo para essas pessoas! É uma população muito grande que também precisa ser olhada, consomem produtos, mídia, informações…tudo! A informação precisa chegar! Mais de 20% da população brasileira tem alguma deficiência, então é muita gente. No jornalismo tem que pensar em acessibilidade, a informação precisa chegar!”

Autonomia e independência na Web


O jovem Francisco Milliet, de 26 anos, possui Síndrome de Down e usa a internet para se expressar. A ideia de criar um canal no Youtube veio de Maria Alice Fontes, diretora da clínica Plenamente, onde Francisco faz terapia cognitiva comportamental. Comunicativo e independente, Francisco expressa suas opiniões de forma marcante e a ideia de se manifestar nas redes foi decisiva. Assim, há três anos foi ao ar o canal de “um jovem atualizado do mundo moderno”, como Fran se apresenta no Youtube.


Francisco Milliet. | Foto: Acervo pessoal


Francisco conta que os temas abordados em seu canal, que vão desde política até saúde mental, são ideias dele, mas que Maria Alice também ajuda na criatividade das pautas. Dessa maneira, a tecnologia tem trazido muito conhecimento “É importante aprender”, comentou ele. Ele também diz que há na internet alguns conteúdos ruins e que não agregam conhecimento, mas acredita que há inúmeros pontos positivos na web e completa: “É importante a gente ter conexão com o mundo”.


Neste vídeo, Francisco fala sobre o vício das drogas e as questões que envolvem esse tema. | YouTube: Francisco Milliet


Além de seu próprio canal, Fran também gosta de participar de lives e vídeos junto com sua psicóloga no canal da clínica Plenamente. Ele diz que gosta de acompanhar profissionais da saúde nas redes sociais, além de jovens que compartilham de experiências parecidas com a sua.

Antes do Youtube, Francisco começou a trabalhar no mercado Santa Luzia no setor de rotulagem. Apesar de no início ter tido dificuldades em sua primeira função, Fran se adaptou bem e acredita que seu trabalho fez com que criasse independência e responsabilidade, sendo uma experiência importante e enriquecedora. Hoje ele se considera mais à vontade no ambiente de trabalho e diz sentir falta de sua rotina pré-pandemia.

Com projetos para o seu canal, Francisco pretende comentar mais sobre meditação e saúde mental, usando as redes como um meio de ajudar a tornar as pessoas menos ansiosas e mais tranquilas.


Confira abaixo trechos da entrevista com Francisco Milliet:



Um presente chamado terceiro filho


No dia 12 de fevereiro de 2018, às 17h, nasceu Pedro, o filho caçula do casal Marina e Henri Zylberstajn. Em clima de festa, o novo bebê foi recebido pelo hino do Corinthians, time do coração, e a família já se dividia a respeito de ser mais parecido com o pai ou com a mãe. Porém, no hospital, os pediatras neonatais tinham um cuidado ainda maior com Pedro, mas não somente por conta de sua prematuridade: descobriram que Pepo, como é chamado carinhosamente, nasceu com Síndrome de Down.


A notícia veio como um baque. O sentimento de culpa se aflorou em Henri, ao ver o pai chorando pela primeira vez. O mesmo até chegou a questionar Deus sobre o porquê de ter lhe enviado um filho com deficiência. E a partir do choque, o fato de ter apenas informações mínimas e superficiais a respeito da síndrome era sinônimo de desespero.


Ao escrever um texto no Facebook sobre o seu filho, Henri recebeu muitas mensagens de apoio. Mas foi uma delas que tocou o seu coração: uma amiga, também mãe de uma criança com Síndrome de Down, mostrou que ter um filho assim não é algo ruim, muito pelo contrário; é uma oportunidade de vida, fazendo-a valer a pena. A partir daí, após oito dias do nascimento de Pepo, inicia-se uma nova página dessa história de superação.


Pedro Zylberstajn. | Foto: Reprodução / @pepozylber (Instagram)


De início, os abraços de alguns amigos, acompanhados pelo “pode contar comigo”, vinham em forma de consolo. Mas se a família enxergasse o Pedro como uma criança capaz e repleta de possibilidades, sem defini-lo apenas na esfera da deficiência, o mundo poderia enxergá-lo da mesma forma. Sendo assim, no dia 3 de julho de 2018, foi postada a primeira foto dele no Instagram @pepozylber, perfil criado com a intenção de dividir o dia a dia da família com as pessoas e como ela estava encarando essa nova jornada da vida.


Uma porta para o mundo da inclusão

Hoje, com 172 mil seguidores, o perfil é um sucesso na internet. Ao lado dos pais, dos irmãos Lipe (5) e Nina (7) e da mascote da casa, a Yorkshire Mia, Pepo esbanja momentos de carinho e de muita fofura por meio de fotos, vídeos e dos famosos #tbt.


A família Zylberstajn reunida. | Foto: Reprodução / @pepozylber (Instagram)


No entanto, após os seis meses que reservou para se dedicar aos estudos sobre a deficiência intelectual, iniciando também a sua contribuição na Apae-SP (atual Instituto Jô Clemente), Henri precisou conciliar a sua carreira de engenheiro com um novo projeto. Junto de Marina, foi criado o Serendipidade, do inglês “serendipity”, que significa “o ato de descobrir coisas boas ao acaso”. A ONG, que tem os seus conteúdos disponibilizados no próprio perfil “diário” da família, tem o objetivo de construir pontes entre aqueles que têm e não têm deficiência e de mostrar o quão enriquecedora é a inclusão para todos que se envolvem com a causa.

“Eu fico feliz e honrado em saber que a gente tá inspirando a criação de outros projetos, é nosso propósito fazer com que as pessoas possam encarar a inclusão não como um problema, mas como uma solução, e isso tem várias questões, inclusive, a de inspirar e de mostrar caminhos para que as pessoas possam fazer da mesma forma.”

O alcance do Serendipidade se deu graças às redes sociais, que são usadas com muita desenvoltura. Há alguns anos, o projeto não chegaria a tantos lares, empresas e realidades distantes se não houvesse o auxílio de grandes veículos de comunicação. “A rede social permitiu que pessoas desconhecidas, como eu e minha família, pudessem dividir uma visão, um trabalho e aquilo que a gente tava fazendo”, ressalta Henri.


Francisco Milliet divulgando a camiseta com o slogan “É cool ser diferente”, do projeto Serendipidade, que reverteu os recursos para causas que promoviam a inclusão. | YouTube: Francisco Milliet


Além disso, a tecnologia é um grande fio condutor para que aconteça mudanças na sociedade civil e na política. Extremamente ligada à informação, por meio das redes, consegue-se obter dados para a realização de debates e para traçar os perfis de quem são essas pessoas que precisam ser incluídas socialmente, bem como as regiões que necessitam de um olhar ainda mais atencioso. Como explica Henri: “A tecnologia vai ajudar muito para que a gente possa ter informação e possa caminhar cada vez mais no sentido de um mundo mais plural, mais justo e mais inclusivo para todos nós”.


“Nada sobre nós sem nós”

Com essa frase, Henri destaca as oportunidades que a tecnologia trouxe quando o assunto é o protagonismo da própria história. Paralelamente ao desenvolvimento de ONGs e de ativismos que levantam discussões acerca da inclusão e da diversidade, o fundador do Serendipidade observa que os dois lados da causa precisam estar caminhando em uma mesma direção: “Não dá pra gente batalhar sem que eles estejam do nosso lado, ou melhor, na nossa frente, nos ajudando e apontando aquilo que eles querem e que eles não querem”.

“Uma outra questão que a tecnologia possibilita, é a gente oferecer um lugar de fala para as pessoas com deficiência. Essas pessoas viveram na invisibilidade durante muitos anos, e agora a gente começa, ainda que timidamente, mostrar para o mundo que eles existem, que eles têm direitos, que eles têm vontades e que eles podem ser protagonistas da própria história.”

Síndrome de Down na mídia: cinema e literatura


Alex Duarte, 33 anos, é um comunicólogo, formado em Publicidade e Propaganda. Durante esse período de pandemia, Alex procurou estudar mais sobre o capacitismo e nossa estrutura social que nos ensinou a “temer” pessoas com deficiência e a sermos pessoas preconceituosas, a olhar essas pessoas com inferioridade e incapacidade. Um dia, quando começou uma amizade com uma pessoa deficiente, foi o momento em que parou de olhar para a deficiência e começou a enxergar a pessoa e suas afinidades com ele. A partir dessa amizade, começou a escrever um filme, onde começou a seguir uma carreira na educação e trabalhar com diversidade.


O cinema foi fundamental para consolidar sua carreira. Seu filme, Cromossomo 21, de 2017, que narra a história de uma jovem e protagonista com Síndrome de Down, foi levado para a mídia e para o mundo tecnológico.


Trailer oficial do filme “Cromossomo 21”. | YouTube: Cromossomo 21


Com a tecnologia, ele se aproximou de outras realidades e teve acesso a pessoas com diferentes deficiências, ampliando a sua visão sobre diversidade e multiplicidade. Também, percebeu que o mundo é extremamente capacitista e não está preparado para receber pessoas com deficiência, como se separasse as pessoas em “comuns” e “não comuns”.


Alex Duarte. | Foto: Acervo pessoal


Além do filme Cromossomo 21, Alex também é autor do livro Como Empoderar Pessoas com Deficiência. A obra traz a questão do empoderamento, pois as pessoas com deficiência já nascem rotuladas como incapazes e há uma série de obstáculos a serem enfrentados.


Capa do livro “Como Empoderar Pessoas com Deficiência”, de Alex Duarte. | Foto: Reprodução / Cromossomo 21


O empoderamento vem sendo discutido e difundido em todo mundo, principalmente nos Estados Unidos, onde começou a ser estudado, em que a palavra é registrada e significa “dar poder a alguém”. Para Paulo Freire, por outro lado, a palavra significa “autoconhecimento”, nós sabermos quais são as nossas potencialidades, limitações, mas há uma autonomia para tomar suas próprias decisões. Alex percebeu que muitas pessoas com deficiência não tinham esse empoderamento, então criou a “Expedição 21”, uma imersão em uma casa para pessoas com Síndrome de Down. Para a realização da expedição, houve muitas pesquisas realizadas com pais, além de uma atenção para que essas pessoas se reconhecessem como adultos e recuperassem seu empoderamento, conseguindo tomar suas próprias decisões.


 

Internet como lugar que dá espaço a vozes socialmente silenciadas

Heloisa Rocha, de 36 anos, é jornalista graduada pela Universidade Tiradentes (Unit), em Aracaju, sua cidade natal, e pós-graduada em comunicação jornalística pela Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo.

Em 2008, logo depois de se formar, ela se mudou para São Paulo e a oportunidade de trabalhar na Rádio Gazeta Online, antiga Rádio Gazeta AM, bateu em sua porta. Desde então ela reside na capital paulista.

A jornalista nasceu com tipo três (um dos mais graves) de uma doença rara, genética e hereditária chamada Osteogênese Imperfeita, mais conhecida como “ossos de vidro” ou “ossos de cristal”. A doença, que tem como principal característica a fragilidade óssea, ocasionou algumas deformidades em seus membros inferiores e superiores em razão das fraturas que teve ao longo da vida desde o útero da mãe. Por esse motivo ela faz uso de uma cadeira de rodas para se locomover.

Heloísa Rocha. | Foto: Reprodução / @modaemrodas (Instagram)


Em 2015, Heloisa lançou o Moda em Rodas, um projeto pessoal que trabalha com três pilares: 1. A defesa de uma moda mais inclusiva e diversa no Brasil; 2. O resgate da autoestima feminina, especialmente, da mulher com deficiência; 3. Promover um novo olhar do corpo com deficiência para a mídia, qualquer que seja ela.

O Instablog nasceu de uma inquietação pessoal. Em suas redes pessoais, Heloisa costumava postar fotos que tirava no dia a dia e em todas as publicações que fazia uma coisa chamava atenção de seus seguidores: suas roupas, seu estilo e confiança. Isso foi uma grande surpresa para ela, já que algumas mulheres com deficiência começaram a responder as postagens e até mandar mensagem para ela pedindo dicas de moda, indicações de costureiras ou pedindo para ela fotografar algumas peças que ela tinha para servirem de referência.

Nessa época, a internet começava o “boom” das blogueiras e ela, vendo o movimento que estava acontecendo em seu perfil, pensou na questão da referência e representatividade. Percebeu que não havia nenhuma influencer com deficiência que falasse de moda então decidiu criar o Moda em Rodas.

No Moda ela se dedica a apresentar suas criações, combinações, a razão da escolha de cada look e em qual loja comprou cada peça. Heloisa não gosta de ser vista como uma influenciadora, já que ela não influencia seus seguidores, ela é inspiração para eles. Sobre a ampliação do Instablog, ela comenta que neste ano (2020), o Moda em Rodas deu um salto e, além das páginas nas redes sociais, ela começou a produzir e apresentar um podcast que traz, como tema central, a moda inclusiva.

Confira abaixo a entrevista com Heloisa onde foram abordados temas como o Moda em Rodas, internet e inclusão, moda inclusiva, referências e representatividade:


A superação no mercado de trabalho

Maria Fernanda Freitas Pinto, ou Mafê, de 35 anos, é economista formada pela PUC. Mafe nasceu com osteogênese e precisa de cadeira de rodas para se locomover. Com oito meses já fazia natação, esporte que praticou até os vinte anos e parou para não sobrecarregar os ombros. Atividade física para ela é primordial, tanto que pratica diariamente alguma das suas prediletas: yoga — inclusive, é embaixadora do projeto Yoga Sem Barreiras — pilates, movimentos funcionais, TRX e o que mais ela sentir que possa lhe trazer bem estar.

Mafe durante as suas atividades físicas. | Foto: Reprodução / @papoderodas (Instagram)

“Uma coisa que eu sempre levei comigo, para mim, a cadeira é uma característica minha assim como as pessoas têm olhos azuis. Eu acho que isso ajuda a transparecer também, de você não estar apoiado na sua cadeira e na sua deficiência. A partir do momento que você não transparece isso, você também não consegue criar nas pessoas a credibilidade; então, isso é uma coisa que eu falo muito. Por exemplo, muita gente me pergunta: ‘Como é para você o capacitismo? Quantas vezes vieram falar com você com voz de bebê?’ Quantas vezes falaram com a minha mãe e não comigo? Nenhuma! Talvez, por eu sempre me impor, eu não passo por isso!”

Além disso, Mafê sempre gostou muito de tecnologia. Utiliza-a plenamente na sua vida e afirma que ela é de grande valor para a pessoa com deficiência. Sua rotina inclui as compras de supermercado, feira, farmácia, compras em geral, tudo feito pela internet, da qual ela é adepta pelas facilidades que proporciona. “O celular é inerente ao meu corpo”, afirma. Usa para absolutamente tudo, principalmente para organizar sua agenda.


Começou sua vida profissional na Hewllet Packard (HP) onde permaneceu por quatro anos e meio. Depois foi para a Oracle onde está há oito anos, tendo sido contratada, inicialmente, pelo sistema de cotas como analista da LOB de Suporte BR e mais tarde foi promovida para analista da LOB de Suporte para LAD sob a supervisão do mesmo manager, que segundo ela, “não enxergava a cadeira de rodas”. Essa forma de interação entre ela e o chefe, resultou do desempenho dela nas funções do cargo. A capacidade de solucionar problemas e a eficiência suplantaram a deficiência.


Ao ser convidado para ocupar um cargo de chefia para a América Latina na mesma empresa, o chefe convidou Mafe para acompanhá-lo e assumir uma posição na mesma equipe, o que ela prontamente aceitou. Essa vaga, no entanto, não contemplava o programa de cotas o que para Mafe não representou nenhum problema.


Aliás, sobre o programa de cotas que obriga as empresas a contratarem funcionários com deficiência (PCD), Mafê não crítica a lei, pelo contrário; reconhece a necessidade da existência da medida para que a inclusão aconteça efetivamente no mercado de trabalho.


No entanto, reflete que é uma “faca de dois gumes”. Ela aponta que as facilidades propiciadas pelas cotas podem gerar comodismo, a ponto de trazer dificuldades para a empresa alcançar as metas propostas.


Com o isolamento social e em virtude de pertencer ao grupo de risco, Mafe foi morar temporariamente no sítio próximo a São Paulo. Graças à tecnologia e a facilidade que a internet proporciona, faz o home office num ambiente seguro e consegue administrar seu tempo, atentando para o fato de que independentemente de estar longe fisicamente da empresa, os trabalhos confiados a equipe que ela hoje lidera devem ser entregues nos prazos estipulados.


Conhecendo o seu dia a dia

Papo de Rodas foi o blog que ela criou em 2015 no Instagram com o intuito de quebrar tabus e reduzir barreiras, onde passou a contar parte do seu dia a dia, ilustrando com fotos e vídeos suas aulas na academia. Com quase 1400 seguidores, o blog é um sucesso entre o seu público, em que também faz parte de uma campanha que apresenta uma série de atividades que visam conscientizar o crescimento pessoal e profissional de pessoas com deficiência.


Durante o isolamento social, Mafê começou a incrementar seu blog com lives, entrevistando pessoas que transmitam mensagens positivas, que proporcionem interações que levem os seguidores a pensarem a vida a partir de um ponto de vista diferente, que inspirem e motivem a busca pelo melhor que podem em todas as áreas da vida. Essa visibilidade proporcionada pela tecnologia e internet trouxe o primeiro convite para preparar uma palestra que abordasse o movimento da inclusão num escritório de advocacia.


Confira abaixo trechos da entrevista com a Mafê, em que ela disse sobre a importância de quebrar barreiras através do Papo em Rodas:

Os projetos futuros de Mafe já incluem palestras e prometem ser sucesso como todas as atividades em que ela se lança com impressionante determinação.


 

A evolução da tecnologia vem revelando a cada momento da história, uma profunda interação entre os incentivos e as oportunidades que favorecem o surgimento das inovações nessa área. Pode-se indicar a existência de três aspectos principais que determinam a adoção e divulgação de uma inovação: a necessidade social, os recursos sociais e um ambiente social favorável, junto as condições socioculturais do grupo humano no qual elas ocorrem.

Tomemos o grupo humano de pessoas com deficiência intelectual ou física e seus responsáveis no Brasil. Em 2010, ano do último censo demográfico, o percentual era de aproximadamente 6% da população de 200 milhões. A importância da acessibilidade aos recursos e instrumentos que colaboram com a funcionalidade da pessoa com deficiência transforma a vida desse contingente impressionante de pessoas e transforma também a sociedade.

A comunicação que nos conecta com pessoas, grupos e até máquinas ao redor do planeta já evoluiu muito e continuará nessa trilha, ninguém duvida, mas a acessibilidade deve caminhar paralelamente, para que esse grupo com determinadas especificidades tome parte dessa evolução.

As redes sociais tem um importante papel no sentido de promover a visibilidade e a interação entre as pessoas e são fonte permanente de informação na sociedade moderna, além das mídias. No entanto, já é possível observar iniciativas para que esse ambiente digital se transforme, principalmente, em um espaço de inclusão.

O movimento Web Para Todos, por exemplo, busca mobilizar, desde 2017, a população e as suas organizações para a causa da acessibilidade digital, porque como podemos encontrar em sua página, “sites acessíveis tornam a web mais funcional e fácil, além de trazer benefícios para todas as pessoas”. No Instagram, então, diante de um público diverso, muitos influenciadores estão aderindo aos stories legendados e às descrições auditivas de fotos ou por meio da #pratodosverem. São iniciativas que inspiram, porque diante de ferramentas que são utilizadas por um massivo público que não depende de adaptações, esquecemos de refletir, muitas vezes, se esses conteúdos podem ser consumidos por todos em suas respectivas necessidades.

Impõe-se a continuação da pesquisa científica que pode levar a dispositivos novos, incentivos por parte dos governos, enfim todas as iniciativas que podem tornar as tecnologias que favorecem a comunicação e a locomoção mais acessíveis. Só assim reduziremos os números que indicam pessoas à margem dos fenômenos, das mudanças, das oportunidades e das facilidades que a tecnologia traz em larga escala. É mais uma tentativa válida para criar um mundo mais solidário, com cultura, na acepção mais ampla da palavra e mais humano.

 

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